A crise da pesquisa e da pós-graduação na Uesb
Foto: Adusb

A carta do Conselho Superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) ao Ministro da Educação, no dia 1 de agosto, tornou pública a crítica realidade do financiamento para pesquisa e pós-graduação no Brasil. De acordo com o documento, o orçamento previsto para o ano que vem na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) não possibilitaria o custeio de uma série de ações da Capes, como o pagamento de 198 mil bolsas, a partir de agosto de 2019. Segundo informações da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Uesb (PPG), os cortes na Universidade representariam o não pagamento de 235 bolsas (mestrado, doutorado e pós-doutorado). Na Bahia, o problema de financiamento é ainda mais grave, pois a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb) é alvo da política de contingenciamento do governo Rui Costa (PT).

Impactos da situação da Capes na Uesb

A Uesb possui 21 programas de pós-graduação strictu sensu, com 20 mestrados e 6 de doutorados. Atualmente a Capes financia 235 bolsas na Uesb, sendo 161 para mestrandos, 58 para doutorandos e 16 para pós-doutorandos. Essas bolsas são fixas dos programas, com quantidade estabelecida de acordo com o conceito Capes.

O Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Uesb, Robério Silva, considera como “devastador” os efeitos desses possíveis cortes na Capes na Universidade. As bolsas são “o principal suporte financeiro para esses alunos, que na sua maioria são pessoas de baixa renda e que só têm condição de estudar porque recebem uma bolsa”, afirmou. Na avaliação do Pró-Reitor, “todo esse sistema, que está inserido em uma região pobre, como é o interior do nosso Estado, ele seria prejudicado. A amplitude do alcance disso é catastrófica. Não dá nem para imaginar ver esse contingente de alunos que temos hoje sem bolsas”.

A preocupação também é compartilhada pelo Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uesb (PPGED), Cláudio Nunes. O professor acredita que os efeitos nos programas da área de educação podem ser ainda mais drásticos, pois “absorvem um público que não tem em geral um poder aquisitivo muito consolidado”. Cláudio ressalta também as grandes dificuldades em fazer pós-graduação, pois ela “implica na participação em eventos, em sair da sua cidade e se alocar em Vitória da Conquista, viver em Vitória da Conquista, que, sobretudo para quem vem das cidades menores, tem um custo bem mais alto. Então representará para nós o fim de algum tipo de financiamento que ainda existe para os estudantes”.

Programa de Apoio à Pós-Graduação (PROAP)

Em 2014, a Capes também enfrentou cortes no orçamento que levaram à redução da verba PROAP em todo país. O recurso é destinado aos programas de pós-graduação para o custeio de passagens para bancas e auxílio a estudantes para apresentação de trabalho em eventos científicos, por exemplo.

O Pró-Reitor Robério Silva revelou que “o Programa de Zootecnia chegou a ter R$ 160 mil por ano de PROAP. Esses recursos sofreram esse corte de 75% e até hoje não foram recompostos. Hoje o Programa de Zootecnia recebe metade do que recebia antes do corte”.

A situação também é grave no PPGED, que utiliza atualmente a verba de 2015. De acordo com Cláudio Nunes, o “PROAP de 2015 vem sendo parcelado e volta e meia a gente recebe um pedacinho. Não tivemos PROAP em 2016, não tivemos em 2017, não tivemos em 2018. Nós sobrevivemos aqui como pós-graduação porque entendemos que há necessidade de ter uma pós-graduação para a Instituição, para a região. Nós abraçamos isso como um projeto de universidade, mas do ponto de vista financeiro nessa atual conjuntura está muito difícil”.

O sucateamento da Fapesb

Os problemas na pesquisa e pós-graduação também se reproduzem em escala estadual. Segundo informações presentes no site da Fapesb, de 2014 a 2017 foram contingenciados quase R$ 22 milhões dos recursos orçados para investimentos. O valor equivale a 46,49%, isto é, quase metade, do que deveria ser destinado a pagar bolsas e incentivos. Em 2018, o cenário é o pior dos últimos anos. Apesar de R$ 134 milhões terem sido previstos para o orçamento anual, apenas R$ 28,2 milhões foram liberados até o mês de julho. Na rubrica de investimento, o contingenciamento ultrapassa os 60%. Caso o governo Rui Costa mantenha a taxa atual de contingenciamento, a Fapesp pode encerrar o ano tendo executado apenas 36% do seu orçamento, ou seja, um corte de 64% em relação ao orçado.

Apesar da Fapesb atualmente manter regularidade no pagamento das bolsas da pós-graduação na Uesb, o mesmo não acontece com os editais de financiamento de pesquisa. A PPG informou que projetos com termos de outorga assinados em 2016 até o momento não receberam os recursos. “Em relação às bolsas de iniciação científica, a Uesb até o ano de 2015 tinha 250 bolsas da Fapesb. No edital de 2016, a Fapesb reduziu a nossa cota de 250 para 150 bolsas, que é o quantitativo que nós temos hoje”, apontou Robério Silva.  

Financiamento interno para pesquisa

Desde 2015 não há editais de pesquisa na Uesb com financiamento interno e mais de 280 projetos deixaram de ser atendidos, já que a média anual era contemplar entre 70 e 90 projetos por ano. A Uesb deve aos pesquisadores da universidade mais de R$ 930 mil de editais anteriores, conforme dados da PPG.

Os recursos desses projetos vêm da verba de custeio da Universidade e, como afirmou o Pró-Reitor da PPG, “não é novidade que esse recurso próprio vem sendo contingenciado pelo governo do Estado. Não estamos recebendo a cota integral, então temos dificuldade de honrar o pagamento desses projetos aos pesquisadores, o que tem de forma inequívoca comprometido o desenvolvimento dessas pesquisas”.

“O governo Rui Costa não mede esforços para sucatear a FAPESB. Apesar dos sucessivos superávits, aumentos de arrecadação e desonerações fiscais, o governo não cumpre a Lei Estadual nº 7.888/2001. Não faz o repasse estabelecido em lei e ainda contingencia o orçamento aprovado na assembleia legislativa, inviabilizando qualquer política séria e consistente de amparo a pesquisa científica ou tecnologia na Bahia”, criticou o presidente da Adusb, Sérgio Barroso.

É possível confiar no recuo do ilegítimo governo Temer?

Após a carta da Capes, movimentos sociais e a comunidade acadêmica de todo país pressionaram e conquistaram o compromisso do governo federal de dar continuidade aos pagamentos das bolsas. Contudo, os dois anos do desgoverno Temer mostraram que é preciso cautela com suas promessas, visto a profundidade dos ataques contra a população por meio dos seus projetos aprovados.

A Emenda Constitucional 95 (EC 95/2016) é prova disso. A emenda ficou amplamente conhecida como “PEC do Teto de Gastos” ou “PEC do Fim do Mundo” e possibilitou o congelamento das despesas públicas por 20 anos. Na prática, a EC 95 impede um crescimento para além da inflação em diversas áreas, inclusive investimentos em saúde e educação. Os danos da EC 95 já começam a ser sentidos pela população brasileira. O Ministério do Planejamento anunciou que pretende reduzir em R$ 2,8 bilhões (12%) o orçamento do Ministério da Educação (MEC) em 2019.

O cenário de cortes na educação não é novo. Em 2017, o Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles anunciou cortes de R$ 15,1 bilhões do orçamento anual previsto em diversas áreas. Apesar de ter garantido que não haveria redução nas verbas do MEC, a educação perdeu R$ 4,3 bilhões. Ainda durante o governo de Dilma Rousseff, o MEC também enfrentou redução de quase R$ 11 bilhões do recurso previsto para 2015.

O presidente da Adusb ressalta que "a política de garantir o lucro dos banqueiros, através do ajuste fiscal com cortes nos investimentos do governo federal em políticas públicas, certamente antecedem o impeachment. Contudo, é fato que a aprovação da EC 95, a PEC do Teto, acentuou o processo de cortes. Concebida no governo Dilma e aprovada no ilegítimo governo Temer, sob o argumento falacioso de “responsabilidade fiscal”, ela objetiva exatamente isso, tirar recursos das políticas públicas de relevância social e garantir o pagamento da dívida e os lucros exorbitantes dos banqueiros". Barroso afirma ainda que é preciso que os "movimentos sociais, sindicais e estudantis retomem as mobilizações de 2016, com ainda mais força, para derrubar a EC 95, pois ela leva fatidicamente ao sucateamento de serviços essenciais, como saúde, educação e, no caso específico, as políticas públicas de fomento à pós-graduação, à pesquisa científica e tecnológica".

Fonte: Adusb com informações da Agência Brasil, Fapesb e PPG Uesb.