Vitória da Conquista reflete quadro nacional e tem população negra como a maior vítima de homicídios
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O alto índice de homicídios de pessoas negras no país é resultado de um processo histórico de exclusão e racismo, que por diversos mecanismos muitas vezes não evidentes, dificulta em muito à população negra a saída da situação de pobreza. Segundo o Atlas da Violência 2017, as pessoas que morrem vítimas de violência estatal e das relações sociais como o envolvimento com tráfico de drogas, são jovens, negras, de baixa escolaridade e moram nas periferias das cidades. A cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. Além disso, uma pessoa negra tem chance 23,5% maior de ser assassinada do que alguém de outra identidade étnico-racial.

Em Vitória da Conquista a situação não é diferente. O psicólogo Ricardo Oliveira, militante do Movimento Povo de Terreiro, afirma que “se a pessoa for negra, pobre e tiver alguma passagem pela polícia já tem sentença de morte”. 
Os condomínios Minha Casa Minha Vida, especialmente da Lagoa Azul, Campo Verde, Vila Elisa e Vila Bonita e os bairros Patagônia, Kadija, Campinhos e Conveima são apontados com a maior ocorrência de mortes violentas. A ausência de políticas públicas efetivas de educação, saúde e geração de emprego e renda nesses lugares possibilita o domínio do tráfico de drogas, que muitas vezes é o caminho que resta aos jovens dessas periferias. 
O cenário é confirmado pelos dados do Atlas da Violência que pontua que dos 346 mil conquistenses, 41 mil pessoas estão na faixa dos 15 a 24 anos que não estudam, nem trabalham, e estão numa situação extrema de vulnerabilidade social. Esses, quando abordados pela polícia - que atua livremente com o aval de um Estado ausente e racista - são detidos, como consequência de uma tática de segurança pública, que se baseia no princípio equivocado do encarceramento em massa. Senão, são mortos em confrontos mal explicados, para uma satisfação midiática à sociedade. 
Para que essa realidade seja transformada é preciso pensar em uma mudança no modelo de polícia e sua desmilitarização. Estudiosos aconselham a substituição de uma abordagem meramente reativa, para um modelo de repressão qualificada. Assim, as ações seriam orientadas a partir de uma visão estratégica do trabalho policial e de informações produzidas pela inteligência e investigação, de modo a inverter o eixo de prisões de baixa qualidade, feitas em flagrante, a partir do policiamento ostensivo, para a identificação e prisão de criminosos que mais danos causam à sociedade. 
O psicólogo ressalta que para se diminuir a violência e mortes em Conquista, “o Estado deveria investir na investigação e prender os chefes das facções”. Um dos problemas apresentados para essa questão é que as lideranças reais por diversas vezes são pessoas blindadas pelo próprio Estado. “A Polícia Militar enxuga gelo, arrisca a vida em um trabalho que não tem resultados efetivos”, ressalta Ricardo. 
Além da exposição a um policiamento hostil, moradores dessas comunidades, principalmente negras e negros, se tornam “cartas marcadas” quando o desejo ou necessidade de mudar se transforma no perigo de ir para um bairro de facção inimiga e morrer. O fechamento de escolas, política que tem sido adotada pelo governo Rui Costa, obriga alunos a se deslocarem para bairros dominados por outra facção, aumentando muito o risco de morte dessas crianças. 
Uma das preocupações levantadas pela comunidade com o fechamento do Colégio Nilton Gonçalves em 2017 era exatamente essa. No entanto, o governo Rui Costa não recuou com a ação. O colégio, que atendia a 800 estudantes de bairros periféricos de Vitória da Conquista, teve suas atividades encerradas e seus alunos transferidos.
O apontamento dos bairros mais violentos indica um “loteamento do crime” e a necessidade de ações de inteligência e desarticulação. A relação entre a questão étnico-racial e a pobreza, com os dados alarmantes de violência e morte, confirma que além da ação da Polícia e Justiça, é preciso a correção da falha histórica do Estado em garantir educação, saúde e oportunidade a esses cidadãos. Se o direito existe, que ele seja assegurado a todos. Afinal a morte não deve considerar elementos étnicos, raciais ou endereço de ninguém. A vida deve ser um direito de todas e todas, independentemente de sua condição social ou identidade étnico-racial.