Famílias ocupam prédio em comunidade de BH e denunciam programa habitacional

“Tem invasor aqui? Eu não estou invadindo nada, estou ocupando uma coisa que é pra mim, na minha comunidade. Tive que sair da minha casa pra fazer prédio. Isso aqui é de direito nosso”, afirmou Valéria Borges, professora e liderança da Pedreira Prado Lopes (PPL), comunidade localizada na região noroeste de Belo Horizonte (MG), ao finalizar o protesto e a ocupação de um prédio na comunidade na tarde de sábado (8), destacando que os objetivos pretendidos com o ato foram atingidos.

Antes de raiar o dia, cerca de sessenta famílias – mães, crianças, pais e avós – entraram em um dos prédios construídos pela prefeitura de Belo Horizonte como parte do Programa Vila Viva na PPL. O prédio, um dos 313 já edificados – de um total de 408 previstos pela PBH –, apesar de pronto, estava vazio. Para contestar a política que as expulsa de suas casas enquanto promete reurbanizar as vilas e favelas da capital, as famílias decidiram ocupar o prédio.

“A ocupação foi um ato de protesto, para denunciar o programa Vila Viva, que finge que vai reurbanizar as vilas e favelas de BH. Além disso, o déficit habitacional na PPL continua alto, muitas famílias pagam aluguel abusivo ou vivem de favor, e não são realojadas pela prefeitura”, explica Márcio Lima, do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), entidade que organizou a mobilização.

Com o mote “Vila Morta não”, a comunidade reivindica o término das obras do Programa Vila Viva, que começou no fim de 2007 na PPL. Segundo a Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel), o orçamento previsto para a comunidade é R$ 49 milhões, entre obras de saneamento básico e reurbanização. “Houve troca de construtoras e a prefeitura emitiu nova ordem de serviço para retomada das intervenções em 14 de março de 2013. Agora, a previsão de conclusão das melhorias está prevista para setembro de 2014”, explica a Urbel, em nota.

No entanto, moradores denunciam que os entulhos das 735 casas demolidas na PPL não foram recolhidos, o que gerou um aumento de infestação de ratos e escorpiões. “O Vila Viva está recriando um espaço de pobreza na nossa comunidade. Aqui não tinha esgoto a céu aberto, não tinha barro vermelho pra gente pisar, não tinha matagal, infestação de ratos, não tinha infestação de escorpiões. Isso está sendo gerado por essa política. O prefeito não está fazendo nada direito. Veio falando que ia reviver nossa favela, e está matando nossa comunidade”, reclama Eder Luís dos Santos Pereira, de 32 anos.

Crianças sem escola

Uma das ações que tem gerado mais indignação é a promessa de reforma da Unidade Municipal de Ensino Infantil (Umei), fechada há quase um ano. Soraia dos Santos levou seu filho, portador de necessidades especiais, para a ocupação. “Quero uma casa pro meu filho não dormir assim mais não”, diz, explicando que a situação de sua casa, assim como a de seus vizinhos, está precária. “Quero que nosso prefeito crie vergonha e aja como ele agiu para pedir nossos votos. Uma criança especial não precisa passar por isso”, completa.

Eva Andrade, cabeleireira há mais de 30 anos na PPL, não conseguiu vaga para seu filho em nenhuma UMEI da região. Ela paga R$ 600 de aluguel, “fora as despesas”, uma conta muito alta para seu orçamento. Ana Paula de Lima, mãe de cinco filhos, era outra que estava na ocupação. “Depois que fecharam a UMEI, quatro meninos caíram da escola onde colocaram nossos filhos, tudo com crianças maiores”, denuncia.

Ela ainda consegue fazer graça e diz que é “sem-teto, mas não sem filhos”. “Não tive nem o prazer de morar de aluguel, moro de favor mesmo. Por isso estou aqui reivindicando meu cantinho”, explica.

Além da reabertura da UMEI, os moradores cobram que o Centro Cultural, fechado há cinco anos, também seja novamente colocado em funcionamento. A Urbel responde que nenhuma das duas obras diz respeito ao Vila Viva, mas a outras entidades da prefeitura.

Apoio

Antes das seis horas da manhã, a Polícia Militar chegou ao prédio com efetivo de dois carros. Pouco depois, diversos apoiadores, militantes do Levante Popular da Juventude, sindicalistas, ativistas de Direitos Humanos, advogados populares e outros moradores estavam no local manifestando seu apoio ao ato e às reivindicações das famílias.

O deputado estadual Rogério Correia e o federal Padre João, os dois do PT, levantaram a pertinência da luta das famílias, e a necessidade de se resolver o problema do déficit habitacional de Belo Horizonte. Frei Gilvander, da Comissão Pastoral da Terra e apoiador de ocupações urbanas e rurais, fez uma oração e defendeu a luta legítima por direitos. Cerca de 40 pessoas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) também levaram sua solidariedade, reforçando que a luta dos trabalhadores do campo é a mesma da cidade.

“Nesse prédio, por exemplo, não cabe todo mundo. É culpa minha, é culpa dela? Não, é culpa do pilantra do prefeito. Esse Vila Viva veio para matar nossa comunidade”, disse Valéria Borges. Ela destacou que o ato contribuiu para aumentar a indignação e mobilização das famílias da PPL. “A Pedreira precisa acordar, sair desse marasmo, acordar pra luta. Porque a gente tem direito, tem respeito, e tem dever de lutar pelo que é nosso. Tem que parar de falar a Pedreira de Cima, a Pedreira de Baixo, somos tudo favelado. Nossa comunidade chama Pedreira Prado Lopes”, destacou.

Valéria reforçou que a ocupação do prédio – batizada de Dona Maria, em homenagem a uma moradora removida da PPL pelo Viva Viva que morreu quatro meses após o despejo – aumentou os laços entre o grupo, que agora está mais forte pra seguir em reivindicação. O prédio foi desocupado no final da tarde de sábado e uma nova assembleia dos moradores será marcada ainda esta semana. “O MTD avalia a ocupação como vitoriosa ao romper o silêncio sobre o Vila Viva que, na verdade, deveria se chamar vila morta. Saímos fortalecidos para continuar as lutas pelos direitos dos moradores das vilas e favelas de BH”, conclui Vinícius Moreno, do MTD.

Fonte: Brasil de Fato