Precatórios: vitória histórica após 20 anos

No início deste ano, os professores finalmente puderam receber os valores perdidos com o Plano Econômico Bresser, em 1987, responsável pelo congelando de preços e salários dos trabalhadores brasileiros. O plano também atingiu os professores da Uesb que em Assembleia Geral realizada à época decidiram mover ação contra o estado reclamando perdas salariais em torno de 26,06% conforme registrada pela inflação.

Naquele momento a categoria se distinguia entre professores celetistas e estatutários e, por conta da legislação da época, apenas os professores regidos pela CLT puderam mover ação trabalhista contra o estado. Além disso, os professores admitidos após a entrada do plano Bresser também foram excluídos do processo.  (Leia entrevista ao lado)

Devido ao grande número de professores, ao chegar ao Tribunal Regional do Trabalho, a lista com os nomes dos reclamantes foi divida em quatro grupos, obedecendo ao critério de ordem alfabética. Os grupos foram enviados para turmas de juízes diferentes que tiveram entendimentos diversos quanto à matéria o que gerou ganho de causa para apenas um grupo.

Apesar de os professores dos grupos derrotados terem tentado recorrer da decisão, o advogado à época orientou que primeiramente se esperasse o pagamento para que posteriormente fosse impetrado recurso. A sugestão foi acatada pela categoria em Assembleia Geral, porém o pagamento só aconteceu 20 anos após, extinguindo, desta forma, o prazo de recurso.  

Também foi deliberado à época, em caso de pagamento acontecer,  por repassar 15% (quinze por cento) do valor total de cada reclamante ao advogado do caso a título de honorários e taxa assistencial, dos quais 5% seriam remetidos como contribuição em favor da Adusb-SSind. Agora, a diretoria do sindicato remeterá a discussão para Assembleia Geral a fim de que se decida conjuntamente de que maneira a entidade deverá aplicar o montante arrecadado.O processo está disponível na sede do sindicato.

Para esclarecer a categoria sobre o resultado do processo e elucidar dúvidas quanto a quem teve o direito ao pagamento e quem teve o direito recusado pela justiça, entrevistamos o advogado responsável pelo caso à época, professor Rui Medeiros.

O que é o precatório?

É uma forma especifica de execução contra o poder público. Você tem uma sentença ou título contra o poder público, mas não pode penhorar bens, cabendo então recorrer ao meio legal. Ocorre que o Tribunal de Justiça ou qual seja o Tribunal de Justiça especializado, emite o precatório, ou seja, uma determinação para que o poder público (Estado, Município ou União) faça consignar no orçamento aquele valor do débito e o pague, já que não se penhora bens. A Constituição Federal diz que a execução dessas obrigações de pagar contra o poder público é feito mediante precatório e essa foi a ordem do Tribunal para que se incluísse em orçamento a fim de ser pago o débito. E o que acontece nesses processos? Foi feito isso: o Estado de início realmente consignou em orçamento e depois deixou de consignar. Mas tinha que haver essa cobrança e aí foram feitos vários esforços, inclusive o pedido de intervenção, várias tentativas de conciliação em Salvador aconteceram até que o Tribunal, em conversa com o Estado da Bahia, e mostrou a nova opção de pagamento de precatórios antigos de acordo com a Constituição que foi alterada para conseguir-se pagar velhos precatórios. Portanto, a ordem emitida pelo Tribunal foi de acordo a constituição a fim de que fosse feito o pagamento e o Estado aceitou pagar. Inicialmente foram pagos aqueles que tinham no processo comprovadamente uma idade acima de 65 anos ou tinham alguma doença grave. Eles receberam uma parcela antes para receber posteriormente o restante do seu crédito total e agora os demais requerentes receberam o valor reconhecido em sentença.

E quem foi eliminado do processo tem alguma condição de recorrer? Por que razão?

Esse processo tem uma característica especifica. As pessoas que requereram através de outro advogado ou não requereram no tempo certo, não deram procuração por não acreditar no processo ou por qualquer motivo, desconhecimento, férias, licença prêmio, desconhecendo de qualquer maneira ou não entregaram a procuração nem mesmo ao advogado que requereu o maior número de causas. Então há essa primeira exclusão pelo fato de que a pessoa não reclamou, ou seja, não foi à justiça. O segundo aspecto é que muitos foram à Justiça e foram excluídos, por quê? Pelo tipo de relação jurídica que os unia à Universidade. A Universidade possuía um quadro muito grande de pessoas que eram regidas pela CLT, pessoas que tinham vinculo trabalhista e outro grande número de pessoas que foram admitidas já pelo regime estatutário. Só depois da Constituição de 88 e do Estatuto dos Servidores Públicos do Estado é que houve essa unificação, embora a gente ainda tenha aquele pessoal que é apenas contratado por prazo determinado. Mas hoje temos todos regidos pelo Estatuto porque houve essa unificação possibilitada pela Constituição de 88 que determinou que aquele que tivesse cinco anos no exercício do cargo, mesmo não tendo sido nomeado por concurso, fosse estabilizado. Não eram efetivados, mas eram estabilizados, garantindo a estabilidade. Isso abriu espaço para que os Estatutos de Servidores dos Estados e o próprio estatuto dos servidores federais (Regime Único) possibilitassem essa transposição do regime celetista para o regime estatutário. Então aqueles que estavam vinculados ao regime estatutário tiveram reconhecido o direito ao aumento salarial previsto em lei federal àquela época. Aqueles que eram regime estatutário foram considerados carecedores de ação trabalhista, ou seja, não poderiam requerer ação trabalhista já que o seu vinculo era estatutário e não trabalhista. Então, em resumo, pessoas foram excluídas porque não constituíram advogados para requerer qualquer ação. Houve ação requerida por outros advogados que não os advogados que estavam nessa ação maior ou então pessoas que requereram a ação, mas foram consideradas carecedoras da ação por não serem regidas pelo vinculo trabalhista, e sim pelo vinculo estatutário. 

E o resultado pode ser estendido aos demais professores?

Como a Constituição prevê que a matéria de fixação de salários de servidores é uma matéria que depende de lei, então, nem a justiça comum poderia conceder aquele valor de complementação salarial que a justiça do trabalho concedeu aos vinculados ao regime trabalhista. Isso porque dependeria de leis próprias já que a constituição submete o aumento dos servidores estatutários a uma lei cuja iniciativa no Estado deve ser do governador, nos Municípios do prefeito e na União do Presidente da República. Então não havia essa possibilidade, sequer, de você requerer isso na justiça comum para os não estatutários em razão da necessidade da reserva de lei. Por outro lado, as pessoas perguntam: “Eu posso entrar agora alegando a isonomia e o principio da igualdade?”. Os tribunais sempre reconheceram que a isonomia se dá entre pessoas de regime jurídico igual. Ela não pode se dar entre os celetistas e os estatutários porque são regimes diferentes. Isso é um aspecto que impede a isonomia e isso dependeria de ser um ato do governador através de um projeto de lei que reconhecesse a o direito alegando tratamento isonômico. A lei tudo pode desde que esteja submetida aos princípios da Constituição. Outro aspecto é que às vezes as pessoas ficam perguntando “se essa ação fosse requerida na Justiça do Trabalho hoje, ela seria viável mesmo para aqueles que na época eram celetistas”?. Não seria viável em razão da prescrição já que toda ação contra o poder público prescreve em cinco anos, algumas em menos. Esse tipo de ação prescreveria em cinco anos para buscar isonomia ou para reclamar em justiça comum, se fosse o caso, o direito estaria prescrito. Por isonomia ou por qualquer outro tipo ele estaria prescrito. Outro aspecto é o seguinte: se nós fossemos reclamar isso na Justiça do Trabalho hoje, o entendimento já seria outro porque como a Constituição diz que o aumento dos servidores e a fixação de vencimentos cabem, por projeto de lei de iniciativa do governador, a lei deve ser realmente aprovada pela assembleia. Entende-se que estaria se excluindo uma competência da Assembleia e isso seria ilegal. Hoje a Justiça do Trabalho poderia decidir de forma diferente mesmo se se tratasse de servidores não-estatutários.