Para onde caminha a Autonomia das Universidades Públicas?

Mais uma vez recorremos às imagens da mídia para lamentar e registrar as transformações que estão ocorrendo no interior das universidades públicas brasileiras: Campus universitário sitiado e ocupado pela tropa de choque, autoridades em nome da “lei” e da “ordem” justificando o uso da força, estudantes, corajosamente rebeldes, denunciando a possibilidade de caos a partir do uso de velhas estratégias de controle da ditadura; docentes e estudantes arbitrariamente sendo presos.
Assistimos a tudo isso na mesma semana em que o Brasil comemorava a duplicação do número de matrícula de jovens no Ensino Superior. Essa conquista, porém, vale a pena lembrar, só alcança apenas 14% da população de 18 a 24 anos. A meta do fracassado Plano Nacional de Educação (2000-2010) de atingirmos 30% desta população ficou muito aquém de ser conquistada e a expansão comemorada termina por esconder os verdadeiros motivos que levam os estudantes da USP, melhor instituição de ensino superior da América Latina, e os docentes e estudantes da Universidade Federal de Rondônia a não aceitarem passivamente as decisões arbitrárias de seus gestores e a se posicionarem de forma contundente contra elas.
Ao contrário do que a mídia quis mostrar durante e após as semanas que sucederam aos episódios, o aumento do número de jovens matriculados no ensino superior não significa desenvolvimento, pois o Brasil está perdendo em qualidade na formação em Ensino Superior com o crescimento indiscriminado dos setores privados, com o sucateamento e o abandono das Universidades Estaduais de estados como a Bahia, Ceará e o Rio Grande do Norte e com a luta inglória das universidades federais buscando sua ampliação física e de quadro docente para “dar conta” da expansão de vagas via REUNI. Entretanto, o maior prejuízo que podemos contabilizar nesse cenário caótico é o assédio político à autonomia das universidades brasileiras.
Tomemos como exemplo as duas instituições de ensino superior citadas anteriormente e que ocuparam recentemente a mídia e as redes sociais: a Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Duas instituições tão distintas, em história e em região, mas que enfrentam situações semelhantes de ameaça à sua condição de espaço democrático e de garantia de autonomia. A elite política brasileira nunca tolerou essa condição das universidades públicas brasileiras e sempre a tomou como obstáculo à implantação de suas políticas esquizofrênicas de controle da produção científica brasileira e de profissionalização da liderança produtiva nacional.
Originária da elite paulista derrotada na denominada Revolução Constitucionalista de 1932, a Universidade de São Paulo (USP) foi sempre um baluarte, uma referencia, na luta pela autonomia, pelo respeito as idéias, pela liberdade de expressão e, assim, desempenhou papel preponderante na constituição do pensamento democrático brasileiro. A Universidade Federal de Rondônia não tem o mesmo destaque nacional, mas ocupa um papel relevante  e estratégico na sua região por ser a única instituição pública de Ensino Superior do Estado e ser a melhor conceituada da região Norte do Brasil. Essas duas instituições sofrem agora o mesmo problema: a intervenção da polícia militar e federal em seus campi e o assédio imoral da mídia televisiva, ressuscitando o fantasma da ditadura militar e da repressão.
Nesse momento o que está em questão não é se a USP tem maconheiro ou se a UNIR tem arruaceiros, o que está posto em questão é a incapacidade dos gestores das universidades públicas administrarem os conflitos internos e violentarem a autonomia universitária, o princípio do diálogo e da liberdade de expressão.
Hoje não é apenas do RODAS, da Tropa de Choque, do Alckimim! Não é somente o uso de drogas! Está em jogo a autonomia universitária, a discussão aberta, democrática e plural da regulamentação do uso de drogas! De qual efetivamente é o papel das polícias! De uma concepção de educação da elite e para as elites! Ou uma educação superior pública de qualidade para todos socialmente referenciada! Da União Nacional dos Estudantes - UNE outrora representante das lutas dos estudantes e da atual cooptada e braço armado do governo federal! O que temos na USP não é somente a morte dos princípios da outrora FFCL, a separação dos Institutos e a reformulação para a atual FFLCH.
Esperamos que as autoridades públicas, a sociedade, principalmente ao egrégio conselho superior da Universidade de São Paulo e da UNIR, não resgatem as roupas usadas durante o período da ditadura militar, não esqueçam os princípios que mantiveram a USP viva como exemplo para o Brasil e América Latina, que ouçam os clamores internos e por detrás de seus muros e ousem realizar novas travessias.
 
*Reginaldo de Souza Silva – Doutor em Educação Brasileira, professor do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Email: reginaldoprof@yahoo.com.br