Mercantilização da universidade provoca o empobrecimento da elaboração científica

Aliada a questão do efeito do produtivismo na saúde dos docentes, a reestruturação do fazer acadêmico em decorrência da mercantilização da educação superior, também provoca o empobrecimento da elaboração científica e do pensamento nas universidades.

O tema foi intensamente debatido no Seminário “Universidade, Produtivismo e Privatização do Conhecimento”, que antecedeu o 56° Conad, realizado na cidade de Maringá (PR) no último mês de julho e projetou a ampliação do debate para outro grande evento nacional, o qual está programado para novembro deste ano.

Premidos pela necessidade de conseguir verbas para custeio das pesquisas e pela exigência de resultados quantitativos, os docentes se vêm obrigados a embarcar na lógica capitalista de ‘empresariamento’ da ciência, à qual a liberação de recursos está atrelada. Algumas conseqüências, entre tantas, são o aviltamento da autonomia, a submissão do pesquisador, a determinação do que pode ser pesquisado, o privilégio ao segredo no lugar do saber e apropriação privada dos resultados do trabalho acadêmico.

Estar dentro desse jogo já não é mais uma opção. É uma necessidade. “Ou você adere, ou está fora”, é o que alerta o professor Lucídio Bianchetti, da Universidade Federal de santa Catarina – UFSC, um dos palestrantes do seminário realizado no Paraná.

Uma das estratégias de legitimação deste processo, por exemplo, é o modelo de avaliação pelos pares da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o qual gera um complexo de identidade, que dificulta a resistência e naturaliza o produtivismo na academia. Além disso, esse procedimento reforça a competitividade interna e ainda legitima a máxima “Universidade boa é aquela que apresenta resultados”.

Segundo Bianchetti, as agências de fomento, ao entrarem na academia para avaliar seu desempenho, ignoram a da autonomia universitária, abrindo espaço à “heteronomia”. Para ele, a avaliação, contaminada pelo financiamento, deixa de ser formativa e passa a ser classificatória e ‘rankeadora’.

“Não somos contra a avaliação, mas sim, contra esse modelo de avaliação que prioriza a quantidade e não a qualidade de artigos publicados, que trouxe o conceito empresarial de produtividade para dentro da universidade, ao qual a liberação dos recursos está subordinada. Isso faz com que o sentido da educação deixe de existir”, ressalta.

O professor da USP/Leste, Luiz Menna Barreto, também conferencista do seminário pré 56° Conad, corrobora a visão de Bianchetti. Para ele, o problema está em quem avalia e com quais critérios isso é feito.

“Acho impossível pensar numa instituição pública que não seja avaliada. Mas a ilusão da avaliação por pares no modelo da Capes, CNPq, FAPESP, entre outros, acaba criando conflitos. É preciso pensar em outros modelos além do mercado, como por exemplo num índice de impacto social. Pois a universidade precisa prestar contas à sociedade que a custeia”, destaca o docente da USP.

Linha de montagem

O professor da USP/Leste alerta que é preciso lutar contra a ideia de que a privatização da universidade se faz necessária para acompanhar a modernidade. “Instalam-se verdadeiras linhas de montagem de projetos prontos”, condena.

Nesse sentido, Bianchetti ressalta que a resistência da universidade a incorporar a lógica do mercado já não é mais tão forte. “estamos caminhando para um acoplamento. A universidade que era mais defensiva em relação à presença das exigências do mercado, também está tendo que se permeabilizar a estas exigências ara se manter”, diz o docente.

Com a centralização da matriz orçamentária, a partir da reforma do Estado organizada por Bresser Pereira e Fernando Henrique Cardoso, começou a ocorrer uma distribuição de recursos entre ministérios e dentro dos ministérios; entre universidades e dentro das próprias universidades. “É aí que os institutos aparecem para dizer ‘um tanto vai para lá e outro tanto para cá’ e é nesse um tanto que começa aparecer um duto maior para áreas que estão mais próximas aos interesses do mercado, um duto mediano para as medianas e um menor para as que menos se adéquam”, avalia.

Fonte: Extraído do InformANDES n° 2