Andes-SN precisa ampliar Comunicação

Entre 21 e 23 de maio, ocorreu em Brasília o III Encontro Nacional de Comunicação do Andes-SN. Um dos pontos altos do evento, ainda no primeiro dia, foi o debate sobre “Disputa da hegemonia: o papel da imprensa” com o jornalista José Arbex Jr. e o escritor Vito Gianotti (do Núcleo Piratininga de Comunicação).
José Arbex foi direto ao ponto: lamentou o tratamento secundário que a Comunicação recebe no meio sindical. De acordo com ele, a sociedade brasileira está inserida em um Estado de exceção e são os meios de comunicação de massa que dão uma “aparência de democracia para esse país”. Além disso, a mídia comercial exerce um poder de sedução que chega a atrapalhar as mobilizações.
O jornalista, que também é professor da PUC-SP, deu como exemplo um diálogo que teve com uma moradora de comunidade do Rio de Janeiro, durante uma palestra sobre rádios comunitárias. A senhora lhe perguntou, naquela ocasião, se sabia qual a maior dificuldade para discussão dos problemas locais. Arbex tentou três respostas: polícia, narcotráfico ou milícia. Diante de três negativas, ouviu o seguinte: “É a novela das oito. Não existe reunião da comunidade enquanto estiver passando novela das oito”.
“Estamos sentindo que somos informados, mas estamos recebendo desinformação”, criticou o palestrante. “E isso é mais grave quando vemos a relação que o Estado tem com a nação”, completou. Arbex fez um breve histórico da exclusão que a maior parte da população sempre experimentou desde a descoberta do país: escravidão dos negros, massacre dos povos primitivos, completamente alijados de qualquer direito, passando por uma República que conseguiu ser mais conservadora que a monarquia absolutista, no ponto de vista dele. A situação permanece assim – e até piora em alguns aspectos – nos anos seguintes. Com a modernização conservadora de Getúlio Vargas, nos anos 30, os anos JK dirigidos por transnacionais e a ditadura militar de 64, não se constitui minimamente o que se poderia chamar de democracia: “O que tem a mídia a ver com isso? Absolutamente tudo”, atacou Arbex. “Para não ficar muito no passado, a Rede Globo foi criada pela ditadura militar, em 1965, para constituir um imaginário de um país unificado, feliz, respeitoso das leis, cortês, de cidadãos pacatos. E a Rede Globo cumpriu plenamente o seu papel”, disse. “Isso ficou claramente estabelecido em 1970: em plena ditadura, nunca se torturou tanto, nunca se matou tanto. No entanto, você ligava a TV e era ‘Todos juntos, vamos/pra frente, Brasil’...”, disse.
Arbex lembrou que, na Europa, existem rigorosas legislações para limitar, por exemplo, a propaganda dirigida ao público infantil, algo que é absolutamente liberado no Brasil: “Se você tenta discutir isso, vai ser chamado de ‘Chávez’, ‘cubano’, ‘ Ahmadinejad’. Aqui no Brasil ficou tão comum que ninguém nota”, observou.
Para ele, não entender o papel dos meios de comunicação é não entender o que foi Joseph Goebbels (ministro da propaganda nazista). “E a esquerda é incapaz de fazer esse debate. O verdadeiro intelectual desse país são os meios de massa, a Rede Globo em especial. O caminho é muito árduo”, disse.
Apesar da conjuntura desfavorável, o professor da PUC-SP fez questão de dizer que não está tudo acabado: “Não tem nada terminado. Está começando. É só ver o que está acontecendo no mundo”, disse. Arbex se refere à crise vivida pela Europa: “Quem poderia prever há cinco meses que o euro estaria no limiar de uma crise monumental?”, questionou. De acordo com ele, a história não é estática e a esquerda tem urgência de aprimorar sua Comunicação “para os embates que estão se avizinhando”: “Na PUC, sou chefe do Departamento de Jornalismo. Mais da metade dos meus alunos vai para a imprensa contra-hegemônica. É uma atividade permanente”, contou.


Escritor cobra aumento dos gastos sindicais com Comunicação

O escritor Vito Gianotti corroborou as palavras de José Arbex Jr. e cobrou mais investimento dos sindicatos em Comunicação: “O objetivo da ação sindical não é fazer Comunicação. Ela é um meio para levar as pessoas pra ação. Para mim, mais da metade do dinheiro do sindicato deveria ser gasto em Comunicação”, observou.
O palestrante também criticou a Rede Globo e se utilizou da novela recém-acabada “Viver a Vida” como exemplo: “Essa novela acabou com qualquer respeito aos negros. Quem diz não sou eu, mas o Joel Zito Araújo, cineasta e roteirista”, disse. Pela primeira vez, haveria uma protagonista negra numa telenovela. E, em determinado momento, a personagem de Taís Araújo apanha de joelhos de uma mulher branca. Outro personagem negro da novela, o Bené, que optou por sair da vida de crimes, foi assassinado na favela: “Qual a mensagem? Não tem saída para o negro. Onde é que tem isso, na bíblia? Quem manda essas mensagens é a Globo, para 50 milhões de pessoas”, criticou.
“Com quais instrumentos estamos combatendo a Rede Globo? Tem o Brasil de Fato, que é mais uma revista em papel jornal. Tem a Carta Capital, a Caros Amigos...”, disse. “Temos que ter uma Comunicação muito forte pra disputar a hegemonia”, completou.

Dicionário de Politiquês


Vito Gianotti também fez no III Encontro de Comunicação o lançamento de seu mais novo livro: “Dicionário de Politiquês”: “A linguagem é uma ferramenta essencial para transmitir uma política. Temos que espalhar essa proposta: falando e escrevendo. A constatação que nós fazemos é que temos dificuldade para nos entendermos. Temos que evitar o ‘informatiquês’, o ‘jurisdiquês’, o ‘economês’... Não é rebaixar a linguagem, não é melhorar... é traduzir. Esse livro é uma ferramenta”, acrescentou.


Campanha em favor da Escola Nacional Florestan Fernandes


Ao fim de sua exposição, o jornalista José Arbex divulgou uma campanha em favor da manutenção da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), idealizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e construído por meio do trabalho voluntário de 1.115 militantes dos diversos movimentos sociais brasileiros. A ENFF passa por dificuldades e precisa de aproximadamente R$ 100 mil por mês para seu funcionamento. Foi criada uma associação dos amigos da instituição, em dezembro do ano passado, para conseguir R$ 20 de cada associado. Mais informações em http://amigosenff.org.br.

 

Acesse aqui o relatório do encontro.

Fonte: Adufrj Seção Sindical