Projeto que revoga LSN é aprovado na Câmara e vai ao Senado. Mas ainda há ameaça de criminalização das lutas

A Câmara dos Deputados aprovou na noite da terça-feira (4) o projeto de lei 6764/02 que revoga a LSN (Lei de Segurança Nacional) e acrescenta no Código Penal vários crimes contra o Estado Democrático de Direito. Agora, o PL segue para ser apreciado pelo Senado.

Segundo o texto aprovado, a partir do relatório da deputada Margarete Coelho (PP-PI), a LSN é extinta e será criado um novo título no Código Penal para tipificar dez crimes em cinco capítulos. São eles: atentado à soberania, atentado à integridade nacional, espionagem, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, interrupção do processo eleitoral, comunicação enganosa em massa, violência política, sabotagem e atentado a direito de manifestação.

A votação do projeto foi simbólica. Alegando razões diferentes, os partidos PSL, PSOL e a liderança do governo orientaram suas bancadas a se posicionar contra o texto. Já PT, PL, PP, PSD, MDB, PSDB, PSB, DEM, PDT, PCdoB, PV, Rede, Republicanos, Podemos, Novo e Cidadania pediram votos favoráveis ao PL.

Polêmicas

A revogação da LSN é uma medida a ser comemorada pelos trabalhadores e organizações dos movimentos sindicais, populares e partidos de esquerda. A lei era um entulho de períodos ditatoriais, usada para perseguir, prender e criminalizar opositores, mas que foi mantida mesmo após a redemocratização e que voltou a ser usada intensamente pelo governo Bolsonaro.

A lei teve seis versões, sendo a primeira delas na época de Getúlio Vargas, em 1935. A versão de 1969, por exemplo, previa até pena de morte. A última versão foi aprovada em 1983, pelo governo militar de João Figueiredo. Artigos da LSN possibilitam, por exemplo, o absurdo de criminalizar quem “ofender” o presidente da República e outras autoridades, brecha que vem sendo utilizada indiscriminadamente por Bolsonaro.

Foi com base na LSN, que o Ministério da Justiça e a Polícia Federal processaram ou intimaram várias pessoas no último período, como o youtuber Felipe Neto, professores universitários, cartunistas e ativistas em geral, numa clara tentativa de intimidação, censura e perseguição.

O advogado e integrante do Setorial do Campo da CSP-Conlutas Waldemir Soares Jr. a revogação da Lei de Segurança Nacional era, de fato, necessária e urgente. “É um resquício da ditadura, incompatível com a liberdade de expressão e de organização e, com o governo Bolsonaro e Mourão, tem sido usada para perseguir críticos ao governo, desde docentes, intelectuais, artistas, blogueiros e ativistas”, avaliou.

O texto também atualiza alguns temas que vieram à tona no último período como o funcionamento das instituições no processo eleitoral, criminalizando, por exemplo, a comunicação enganosa em massa, recurso, vale destacar, amplamente utilizado por Bolsonaro. Daí um dos motivos para a resistência do governo contra o projeto, além da revogação da LSN

Entretanto, especialistas sobre o tema, advogados da área de direitos humanos e ativistas dos movimentos sociais questionam a inclusão do tema no Código Penal, considerado uma legislação que, na prática, é extremamente seletiva e penaliza principalmente os mais pobres, negros, LGBTs, enfim, os setores oprimidos.

Ter esse código como base para a garantia do “Estado Democrático” é desconsiderar essa realidade e perpetuar desigualdades e manter a criminalização dos mais pobres.

Outro ponto questionado são as tipificações genéricas do texto que ainda ameaçam o direito de manifestação e as liberdades democráticas.

No capítulo de crimes contra as instituições democráticas, o texto prevê dois tipos penais: abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. No primeiro caso, sofrerá pena de reclusão de 4 a 8 anos quem for condenado por “tentar, com violência ou grave ameaça, acabar com o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. Já o Golpe de Estado é definido como “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído, sujeitando o condenado a pena de reclusão de 4 a 12 anos”. Nos dois casos, além dessas penas haverá ainda aquela correspondente à violência.

Em relação ao funcionamento de serviços essenciais, por exemplo, há somente um crime no capítulo, o de sabotagem, definido como “destruir ou inutilizar meios de comunicação ao público, estabelecimentos, instalações ou serviços destinados à defesa nacional com o objetivo de acabar com o Estado Democrático de Direito”. A pena estipulada é de 2 a 8 anos de reclusão.

Este ponto, por exemplo, deixa margem para uma ampla interpretação e colocam em risco a atuação legítima de formas históricas de luta de movimentos populares, como protestar em uma rodovia ou em frente à entrada de um prédio público para fazer um protesto, deixando os trabalhadores sujeitos a processos criminais e prisões em flagrante.

Nesta terça-feira, ainda antes da aprovação do texto, o advogado da CSP-Conlutas Waldemir Soares Jr, alertou que está em jogo é a substituição da norma. “Os movimentos sociais precisam ficar atentos contra a criminalização das lutas, com mudanças que repaginem a lei de segurança nacional, mas com a justificativa pomposa de proteger o Estado Democrático de Direito siga usando mecanismos contra os movimentos sociais”, disse.

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Via cspconlutas.org.br