Biossegurança e o retorno às aulas presenciais na Bahia

O governador Rui Costa anunciou nesta semana que não pretende cancelar o ano letivo na educação básica. Mesmo sem data prevista, o Estado mantém a defesa de manutenção do calendário letivo de 2020, com retorno das aulas presenciais. São quase 184 mil contaminados, mais de 3,7 mil óbitos por covid-19 na Bahia e a curva de casos ainda não está em queda. Especialistas alertam sobre os riscos que a retomada das atividades escolares presenciais podem acarretar para a população antes do devido controle da pandemia.

A pandemia na Bahia e fatores de transmissão

Ainda que a taxa de letatidade na Bahia seja menor que a nacional, o professor do Departamento de Saúde II da UESB e doutor em Saúde Pública, Cléber de Jesus, demonstra preocupação com um possível retorno das atividades presenciais nas escolas neste momento. “A curva epidêmica ainda não apresentou redução que sinalize o efetivo controle da epidemia, a reabertura do sistema de ensino colocando um grande quantitativo de pessoas em contato direto irá favorecer a intensificação da transmissão do vírus, com repercussões negativas sobre o crescimento de casos graves e óbitos”, alerta o Cléber.

Em entrevista ao jornal Correio da Bahia, Rui Costa afirmou que "só iremos anunciar (a data) quando tivermos uma taxa de contaminação inferior a que temos hoje". Nenhum parâmetro, no entanto, foi apontado, o que deixa dúvidas sobre as condições em que a retomada pode ocorrer.

Modelos matemáticos são usados por especialistas para buscar a representação mais próxima possível do fenômeno da pandemia, inclusive o processo de contaminação. Marcio Bortoloti, professor do Departamento de CIências Exatas e Tecnológicas da UESB e doutor em Modelagem Computacional, dá exemplos de como podem ser feitos esses cálculos, “a taxa de variação do número de infectados pode aumentar em função da interação entre pessoas infectadas e suscetíveis”, entretanto “essa taxa pode diminuir a medida que infectados vão sendo curados”.

Para o docente, “no contexto de uma epidemia, o objetivo é fazer com que o número de infectados seja diminuido o mais rápido possivel. Assim, deve-se empregar políticas de controle que façam o número de infectados diminuir, ou seja, façam com que a taxa de variação do número de infectados se torne negativa”. Neste sentido, vários fatores incidem sobre o processo de propagação da covid-19, mas, entre estes fatores, Bortoloti destaca “o número de contatos entre indivíduos infectados e suscetíveis e a probabilidade de contaminação durante cada contato”.

De acordo com os dados divulgados pela Secretaria de Saúde da Bahia, a taxa de contaminação no Estado começou a se estabilizar recentemente, mas não entrou em declínio. Em caso de reabertura das escolas de maneira precipitada, o cenário pode ser alterado negativamente. A taxa de transmissão da covid-19 em uma escola certamente será ampliada, “mesmo que existindo pouca interação e pouco contato entre indivíduos”, pois essa taxa depende diretamente do “número de pessoas saudáveis” expostas ao vírus, afirma Bortoloti.

A realidade das escolas

São comuns nas escolas turmas com 40 estudantes, salas de aula com espaço que não permite o distanciamento de 1,5m entre as carteiras e baixa ventilação. Tal realidade traz preocupação, especialmente por conta do tempo de exposição durante o período das aulas.

O governador informou que provavelmente as turmas serão divididas em busca do distanciamento social e o uso de máscaras será obrigatório. Além disso, anunciou reformas na estrutura física dos banheiros, disponibilização de álcool gel e pias para lavagem das mãos. As aulas acontecerão durante todos os sábados e o ano letivo será estendido até fevereiro, portanto a carga horária semanal será ampliada para cumprir o prazo.

Na avaliação de Cléber de Jesus, a partir das discussões que estão sendo feitas em todo mundo de retorno às aulas presenciais, as medidas anunciadas pelo governo são “essenciais para qualquer tipo de reabertura que esteja sendo planejada. Entretanto, para além destes requisitos, tem sido recomendado como necessário a ampliação da capacidade de testar, rastrear contatos e fazer quarentena nos ambientes escolares, tudo isso como forma de monitorar possíveis surtos nestes espaços. Isto demanda de uma grande capacidade dos órgãos de vigilância epidemiológica local e estadual”. Procedimentos como os citados não foram discutidos pelo governador, nem pela Secretaria de Educação da Bahia.

Política genocida

O Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia (APLB) realizou uma pesquisa com quase 8 mil trabalhadores da área, em julho, sobre as condições das escolas para o retorno presencial durante a pandemia. Cerca de 97% dos entrevistados acreditam que a escola em que trabalha não possui condições estruturais de retomada das atividades com segurança. Em relação à testagem para covid-19, 92,4% não realizaram o exame.

Em entrevista ao Política Ao Vivo sobre a proposta do governo sobre as aulas, o presidente da APLB, Rui Oliveira, defendeu que “não há como retornar agora, conteúdo a gente repõe, vida não. Neste momento de pandemia não vamos permitir que coloque os alunos da rede estadual e da rede municipal em sala de aula, seria um genocídio”.

Segundo o Correio da Bahia, quando questionado sobre esse “genocídio”, o governador disse que não viu “ninguém falando de genocídio quando se falou de abrir shopping”. Rui Costa criticou ainda “a pessoa que tá indo no shopping, quer ir no bar, no restaurante, só não quer ir na escola?”.

A comparação despreocupada entre a situação das escolas e shoppings gerou enorme revolta entre a população. O professor Marcio Bortoloti pontua que há grandes diferenças entre as instalações sanitárias de ambas, mas para além disso, é importante observar “que nem todas as famílias frequentam um shopping center com frequência, mas um número expressivo delas possui alguém que frequenta uma escola diariamente. Essa alta frequência é um fator importante para o aumento das infecções”.

A secretária geral da Adusb e membro do Grupo de Trabalho de  Políticas Educacionais , Iracema Lima, alerta que “não é possível concordar que a saúde da população baiana seja tratada com tamanho descaso pelo Governo do Estado. Rui Costa utilizando como narrativa um suposto compromisso com a educação dos jovens baianos, sem primeiramente assegurar condições sanitárias para o retorno das atividades escolares para então restabelecer o calendário letivo, evidencia, mais uma vez, seu compromisso com os interesses do mercado”.

Veja as entrevistas completas de Cléber de Jesus e Marcio Bortoloti.

 

Adusb com informações do Correio da Bahia, APLB-Sindicato, Metro 1 e G1.